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Limbo Jurídico Previdenciário

Limbo jurídico previdenciário: os principais impactos trabalhistas para os empregadores e empregados

Como se sabe, na ocorrência de acidentes de trabalho ou do desenvolvimento de doenças ocupacionais, é muito comum que os empregados necessitem ficar temporariamente afastados do exercício de suas funções em razão da incapacidade provisória que os acometeu.

Nestas hipóteses, a regra geral, constante do art. 60 da Lei de Planos e Benefícios da Previdência Social de 1991, é a de que os empregadores são responsáveis por arcar com o pagamento da remuneração durante os 15 (quinze) primeiros dias de afastamento e, excedido esse tempo, os profissionais devem ser imediatamente encaminhados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para a devida avaliação pericial.

Por qualquer forma, ainda que deferida a perícia, os afastamentos previdenciários são, como o próprio nome diz, meramente temporários e, declarada a aptidão do trabalhador para retornar à sua função, o benefício é imediatamente cessado, e os segurados devem retornar aos seus trabalhos.

Aqui se inicia, contudo, o grande “X” da questão. Conforme indica a Norma Regulamentadora nº 7, é obrigatório que o empregado realize exame clínico antes de reassumir suas atividades, caso tenha se mantido afastado por mais de 30 (trinta) dias. Nestas ocasiões, não raro são as circunstâncias que acabam impedindo o regresso desse trabalhador da forma como planejado.

Assim, o empregado é declarado apto para o retorno ao trabalho pelo órgão previdenciário, mas considerado inapto pelo médico da empresa. Ou seja, o beneficiário de um auxílio-doença, por exemplo, ao passar pela perícia de prorrogação, recebe a alta médica pelo perito do INSS para retornar às suas funções e, contudo, não a recebe do médico particular ou da empresa, através do Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) e, em razão desse evento, deixa de perceber a prestação previdenciária antes concedida pelo INSS, uma vez que automaticamente cessado seu benefício e, simultaneamente, impedido de retornar à sua posição, deixa de perceber também sua remuneração mensal.

Esta situação, cada vez mais comum, é o que vem sendo denominado  “limbo jurídico previdenciário” ou ainda “limbo jurídico previdenciário-trabalhista”, devido às suas consequências no campo do direito do trabalho.

No que importa ao tema, há grandes discussões em andamento. Não há no ordenamento jurídico brasileiro qualquer disposição expressa que trate especificamente a respeito dessa questão, o que materializa uma forte insegurança jurídica tanto para os profissionais incapacitados, quanto para seus empregadores.

A dúvida que se suscita é uma só: afinal, quem deverá suportar o ônus financeiro no período de afastamento não coberto por benefício previdenciário?

Em que pese a grande lacuna da lei, nesse sentido, o entendimento majoritário da Justiça do Trabalho tem sido no sentido de que são os empregadores os responsáveis pelo pagamento dos salários durante o período de limbo previdenciário de seus empregados.

Tal percepção, que coaduna com a condenação das empresas à responsabilização pela remuneração dos funcionários até que findada a incapacidade, advém, principalmente, de dois pontos.

O primeiro deles, certamente, é a incidência do princípio da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal, bem como, igualmente, o princípio da valorização social do trabalho, de tal forma sustentando-se o argumento de que não podem os profissionais restarem financeiramente desamparados, especialmente quando já estão em um momento tão vulnerável. Nesse sentido, compreende-se que o empregador, já que detentor do poderio econômico, deve ser aquele a suportar, portanto, os riscos inerentes à atividade empresarial.

O segundo ponto, por sua vez, está associado a uma questão mais jurídica. Ainda que não haja, como dito, qualquer disposição expressa na lei que preveja a hipótese do limbo jurídico previdenciário, alguns artigos são analisados extensivamente na tentativa de sanar a lacuna existente.

Senão vejamos: o art. 6º, §2º da Lei nº 605/49, traz a hierarquia dos atestados de saúde, e vem complementada pelo art. 30, §3º, da Lei nº 11.907/2009, que trata das atribuições do perito médico federal, indicando que são essenciais e exclusivas, e pela Súmula nº 15 do TST que determina, igualmente, a necessidade de se “observar a ordem preferencial dos atestados médicos estabelecidos em lei”.

Conclui-se, a vista disso, que o laudo médico federal é soberano ao laudo médico do trabalho, devendo este último, portanto, acatar as conclusões do primeiro.

Assim sendo, a jurisprudência demonstra entendimento de que, a partir do momento em que o INSS declarou a aptidão do funcionário para o retorno às atividades laborais, sendo seu entendimento hierarquicamente superior aos demais, encerra-se a suspensão do contrato de trabalho do empregado, ensejando a obrigação do empregador de pagar os salários e/ou autorizar o retorno do empregado às suas funções ou, não sendo possível, na linha do art. 89 da Lei 8.213/91, em atividade semelhante à que desempenhava, de modo a viabilizar a readaptação do mesmo em função compatível com eventual limitação laboral.

O mero fato, portanto, de o empregador discordar da conclusão do INSS, não o autoriza a embaraçar o retorno do trabalhador. Na forma legal, compete a ele acolher o empregado em seus quadros e, somente após isso, reencaminha-lo ao INSS para novas avaliações, com base nos exames médicos que realizou, valendo-se, para tanto, dos meios administrativos cabíveis (pedido de reconsideração/recurso administrativo).

Por outro lado, de se destacar decisão recente do TST no RRAg – 1000254-19.2018.5.02.0074 (DEJT 04/02/2022), onde determinou-se que o ônus de demonstrar que a empresa obstou o retorno do empregado às suas atividades, mantendo-o, pois, no limbo previdenciário, é do próprio trabalhador. Em eventual processo trabalhista, necessário, portanto, analisar se das provas colhidas dessume-se que o beneficiário não foi devidamente diligente na busca pela solução do impasse.

Denota-se, portanto, que resta caracterizada a responsabilidade das empresa somente nas hipóteses em que comprovado ter agido ilicitamente, recusando-se a aceitar o empregado e deixando de realoca-lo em função que coaduna com suas capacidades reduzidas, mantendo-o no limbo propositalmente, na tentativa de desvencilhar-se de sua obrigação trabalhista.

Ademais, as empresas só devem ser responsabilizadas pelo pagamento dos salários do trabalhador pelo período em que perdurar o limbo jurídico previdenciário, nos casos em que for comprovado o nexo de causalidade entre a doença do trabalhador e as atividades laborais.

Pontua-se que, ao revés do que consta na maioria das decisões dos tribunais, mesmo após a alta previdenciária pode haver, de fato, impedimentos para o retorno ao trabalho. Isso ocorre não apenas em razão do empregado não apresentar as devidas condições de desempenhar suas atividades com a perfeição técnica necessária, mas também em razão da legítima preocupação com um eventual agravamento da condição do empregado, bem como com a possibilidade de desencadear outras doenças ou acidentes.

A recusa corporativa à retomada das atividades pelo empregado, nesse sentido, não deve ser vista inteiramente como um ato obstativo, motivado por negligência ou má-fé. Em grande parte das vezes, trata-se somente de uma atuação preventiva do empregador em matéria de saúde e segurança do trabalho, uma vez que sua responsabilidade é objetiva no que tange aos riscos da atividade, recaindo integralmente sobre si qualquer evento danoso.

Está em discussão, na tentativa de consolidar o entendimento jurisprudencial, o Projeto de Lei nº 6.526/2019, de autoria do deputado federal Túlio Gadêlha (PDT), que propõe a ideia de que, uma vez constatado, em discussão judicial, a inaptidão do empregado para o trabalho, o benefício previdenciário deverá ser concedido ou restabelecido. Por outro lado, caso não haja a constatação de tal inaptidão, sendo assertiva a alta médica, o empregador será condenado ao pagamento dos salários e demais vantagens previstas em lei, além de ter que ressarcir o INSS quanto aos eventuais valores pagos e não devidos.

O projeto padece de algumas problemáticas, como o fato de não diferenciar os casos em que o afastamento laboral decorra de doenças ocupacionais ou acidentes de trabalho, daqueles em que a doença não guarda qualquer relações com as atividades exercidas pelo trabalhador.

Por outro lado, está claro que o limbo previdenciário é matéria complexa, que exige urgente regulamentação, de tal modo que, em que pese as controvérsias do projeto de lei, sua conversão é medida que em muito facilitaria algumas discussões.

Não obstante, até que tais adequações sejam efetivadas, existem algumas possibilidades de minimização das contendas que podem ser feitas pelas empresas, sendo alguns exemplos: arcar com as diferenças de valores entre o montante pago pelo INSS a título de adiantamento de auxílio-doença, e o valor do salário contratual ou até o valor integral, nos casos de indeferimento pelas razões expostas, bem como recorrer administrativamente e ajuizar ação previdenciária contra a Autarquia, para ter reembolsados os valores despendidos, remanejar o trabalhador para uma outra função mais compatível às capacidades reduzidas dele, deixá-lo em repouso, concedendo, por exemplo, férias, ou, em situações mais extremas, dispensar o colaborador.

Esta última opção pode ser vantajosa para ambos, por um lado, o empregado disporá de seu acerto, podendo se recuperar mais tranquilamente e, até mesmo, poderá buscar uma posição mais compatível com suas limitações atuais e, por outro, a empresa pode buscar um novo colaborador. Imprescindível, contudo, que se analise a situação juridicamente! Há casos em que o trabalhador pode gozar de estabilidade e, portanto, não pode ser desligado da empresa.

Nada obsta, inclusive, que seja formalizado um termo particular, entre empregador e empregado, em que esse se obrigue a devolver os valores despendidos pelo empregador, no caso do benefício vir a se confirmar, quando da realização da perícia médica presencial, e lhe for concedido o benefício previdenciário retroativo ao início do gozo do adiamento do auxílio-doença.

Com todo o exposto, percebe-se que é essencial compreender os direitos do trabalhador e da empresa durante esse complexo período de limbo previdenciário para que nenhuma das partes saia prejudicada. Recomendamos, nesse sentido, que conte sempre com o auxílio de um advogado que possa receber as devidas orientações.

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